20 de novembro de 2011

Abraços malcheirosos mas sinceros

Hoje, mostramos-vos uma história fantástica que demonstra o quanto é bom ajudar os outros. Através do texto de Carlos Codinha, podemos perceber que quando a solidariedade está dentro de nós, metemos de parte aspectos que outros valorizam demais como o aspecto exterior das pessoas. 


  "Um dos miúdos que lembro com mais carinho chamava-se Pitufos, ou pelo menos era assim que o chamavam. O nome verdadeiro, nunca o soube, mas a alcunha nada tinha a ver com ele. Pitufos no México eram os Estrunfos, uns bonecos azuis que viviam numa aldeia com cogumelos como casas. 
  "O nosso Pitufo era castanho, magro e alto. Castanho da sujidade e magro da fome, mas era um tipo impecável. Ele vivia com o primeiro grupo com quem trabalhei na rua na Cidade do México, na zona de Índios Verdes, e não sei bem porquê lá simpatizou comigo e ficámos grandes amigos. 
  Chamava-me Pariente, que literalmente significa "Família" e tinha o hábito de vir ter comigo dar-me um grande abraço cada vez que eu chegava ao pé deles. É difícil de explicar o fedor que aquele miúdo tinha. Muitos dias sem banho, a viver nas caixas de esgoto, a fumar erva e a inalar diluente. Não há descrição possível... Mas lá vinha ele, com um grande sorriso a gritar pariente, a abraçar-me e a perpetuar o braço sobre os meus ombros, o que acentuava o sofrimento do meu sentido olfactivo. 
  Muitas vezes fiquei a ouvi-lo contar os problemas que tinha com a Brenda, a sua namorada de longa data, que por acaso era feia como só ela. Os seus dentes pareciam o resultado de um choque de comboios, mas de algum modo eles amavam-se perdidamente e tinham uma relação quase matrimonial. 
  O mais fantástico acerca do Pitufo é que nunca me pediu nada. Nunca me pediu dinheiro, comida ou qualquer outra coisa material. Era um miúdo simples, sem preconceitos e bastante afectuoso. 
Um dia perguntei-lhe qual era o sonho dele. Ele disse-me muito simplesmente que era poder entrar no restaurante em frente à boca de esgoto onde ele dormia, sentar-se e comer...
  Um sonho simples de um miúdo simples. 
  Quando comecei a dirigir a instituição estive algum tempo sem ir a Índios Verdes e quando voltei soube que a polícia tinha feito uma batida na zona e os miúdos tinham fugido dali. Nunca mais soube nada do Pitufo nem da Brenda, mas ele é uma daquelas pessoas que sinto muitas saudades, pelo seu carinho e pela sinceridade daquela amizade."

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